A jornada do espírito Jefferson em O Chamado das Sombras e O Chamado da Luz
Na dobradinha assinada pelo espírito Jefferson (psicografia de Adriana Machado, autora do best-seller Nem tudo é carma, mas tudo é escolha), acompanhamos um arco raro no romance mediúnico: o narrador passa de algoz a amparo — de obsessor a socorrista.
O primeiro volume, O Chamado das Sombras, apresenta a gênese da queda: Jefferson relata como atuava induzindo encarnados ao vício, ao crime e ao desespero, até que o encontro com uma família fortalecida na fé abala suas certezas e inaugura uma fresta de mudança. No segundo, O Chamado da Luz, essa fresta se transforma em caminho: Jefferson retorna às “zonas abissais” não mais como paciente, e sim como auxiliador, empenhado em resgatar os que um dia liderou nas trevas.
A sequência é oficialmente apresentada como continuação direta — inclusive com a nota editorial que informa a nova edição do volume 1 sob o título O Chamado das Sombras — e prepara o leitor com retomadas pontuais de fatos anteriores, sem cair na repetição. Em termos de projeto literário, isso dá coesão à experiência de leitura e permite que cada livro funcione isoladamente, mas com ganhos significativos para quem acompanha a série completa.
Núcleo temático: da culpa à misericórdia
Se no primeiro livro, O Chamado das Sombras, a pergunta-motor é “o que leva o espírito à obsessão”, no segundo livro a chave muda para “o que leva o espírito à redenção” — um espelhamento assumido pelo próprio material de capa e contracapa preparado para a coleção. A narrativa insiste num ponto pouco explorado com essa franqueza: a conversão moral como processo e não evento, feito de recaídas, vergonha, orgulho ferido e, sobretudo, trabalho.
Algumas cenas cristalizam esse percurso. Em O Chamado da Luz, espírito Jefferson visita a cela de Eliezer, o “Grande Chefe”, agora reduzido pelo sofrimento. Em vez de revanche, há cuidado: Glauco e Baltazar pedem que Jefferson imponha as mãos para aliviar as feridas — gesto que testa, de forma radical, a superação do narrador. A escrita registra o abatimento e a vergonha de Eliezer, abrindo espaço para um primeiro movimento interior de arrependimento.
A mesma lógica de culpa que se educa reaparece no arco de Firmino: preso, ele repete aos demais a esperança do resgate, mas demora a aplicá-la a si — até o silêncio amadurecer a decisão. O texto comenta, pela boca dos mentores, a distância entre saber e praticar (inclusive entre líderes religiosos), um dos insights mais lúcidos da obra.
Arquitetura narrativa: memória, reaparições e “pontes” entre livros
Os dois volumes se alimentam mutuamente. O Chamado da Luz convoca cenas e personagens do primeiro — às vezes com notas de rodapé internas — para iluminar o presente da ação, num gesto de continuidade que ajuda quem chega agora e recompensa quem já leu Sombras. O caso de Baltazar e Glauco é exemplar: antigos chefes trevosos, eles funcionam como contrapontos vivos — evidências de que a conversão é possível e tem efeitos concretos na conduta.
Outro acerto estrutural da escritora Adriana Machado é a delicada incorporação da figura materna de Eliezer, cuja presença ativa (e amorosa) nos bastidores do enredo desarma o maniqueísmo fácil e confere densidade ética à série: a cura deixa de ser “mágica” para se tornar relação — de mãe e filho, de amigos, de ex-algozes e ex-subordinados.
Estilo e voz
A escolha da escritora por manter Jefferson como narrador em primeira pessoa dá urgência e temperatura emocional ao percurso. No segundo volume, a dicção amadurece: há menos autodefesa e mais exposição de vulnerabilidades, como quando o protagonista admite a dificuldade de manter o equilíbrio ao assistir à dor de pessoas queridas. O resultado é uma prosa confessional que alterna registros — do relato de ação espiritual a trechos de doutrina vivida — sem perder clareza.
Para além do enredo: o que a série propõe
Em última instância, Sombras e Luz defendem a ideia de que “renovar-se diante da dor é maravilhoso, mas utilizar-se dos aprendizados para o auxílio ao próximo é divino” — síntese que o próprio texto oferece como horizonte da duologia.
A dupla também posiciona explicitamente suas obras no campo do romance mediúnico psicografado, com autoria do espírito Jefferson e psicografia de Adriana Machado, ancorando-se na tradição kardecista e no trabalho editorial da Dufaux.
Veredicto
Como literatura espiritual, os dois livros se destacam por humanizar a conversão: a redenção não é um raio que cai do céu, mas o efeito cumulativo de escolhas, afetos e responsabilidades. O volume 1 oferece a anatomia da queda e os primeiros clarões; o volume 2 amplia o alcance ético ao transformar o convertido em agente de cura — inclusive diante de seus antigos algozes.
Para leitores do gênero, a série entrega emoção e reflexão em doses equilibradas; para quem busca porta de entrada no romance mediúnico, oferece um percurso didático sem ser panfletário. E, para além dos rótulos, deixa uma certeza que ressoa: ninguém fica para trás quando o amor se torna método.
Por Ednei Procópio (Leitor, Escritor e Editor)
Ednei Procópio
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